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quinta-feira, 4 de março de 2010

Para refletir...

O texto abaixo é de autoria de um colega de trabalho meu, o prof. Valdemberg Magno. O texto faz uma crítica à postura alienada das pessoas nas festas de fim de ano. Apesar de não estarmos no Natal, vale muito a pena ler, excelente texto.

ENTUSIASMO E RESIGNAÇÃO


Aurélio, 2009)

Entusiasmo. Veemência, vigor, no falar ou no escrever. Grande interesse ou admiração. Dedicação ardente.

Resignação. Ato ou efeito de resignar (-se). Paciência com os sofrimentos, a injustiça, etc.
Considero-me um entusiasta. Soberba assim me considerar? Talvez. Entretanto, tenho uma certeza... batalho todos os dias para não me resignar.
O entusiasmo nos remete a paixão. E a paixão muitas vezes é traduzida como algo instável, que requer cuidados, que não merece entrega, que não nos dá segurança. A vida de qualquer ser humano é recheada de instabilidade e insegurança, quando vivida em plenitude. A vida deve ser intensa, entendo-a assim por ser única. O tempo, senhor de todas as dores, se encarrega de nos mostrar isso. Ela passa rápido... por demais até.
Não há nada de errado em acreditarmos que existe uma pré-determinação para aquilo que traduzimos como cotidiano de vida, que nossas escolhas estão traçadas mesmo antes de tomarmos conhecimento das possíveis e múltiplas opções do porvir.
O que se caracteriza como algo bastante questionável é o fato de estabelecermos como certo que crenças como essas, absolutamente subjetivas, sejam traduzidas como verdades plenas para um sem fim de pessoas, sem percebermos que aquilo que nos serve e ameniza desconfortos espirituais e emocionais, pode não ser entendido como positivo e adequado para uma parcela significativa dessas mesmas pessoas.
Ser resignado muitas vezes nos remete a um comportamento derivado de ensinamentos tradicionais que, em muitos casos, nos levam a crer que não há alternativas a serem consideradas, pois já foram estabelecidas forma e diretriz para nossas vidas em algum ponto do passado.
E quem somos nós para questioná-las? E se não nós, quem as questionará?
Vejam a questão do Natal. Inquestionável que é um bom período do ano, não?
Nessa época as cidades ficam mais belas, empresas de qualquer gênero se enfeitam, ruas e avenidas iluminadas por luzes em formato de estrelas, anjinhos pendurados em árvores ou postes (estranho, né?), e parece que estamos envoltos na sensação de que logo ali, depois de dobrarmos a esquina, encontraremos o bom velhinho, e que as pessoas parecem (parecem!) que são melhores, mais atenciosas, agindo com carinho, ou seja, tudo nos leva a crer que é bom.
Então, experimente dizer que não gosta desse clima de panetone pra ver o que te acontece. Não ter empatia com esse período festivo passa a ser uma questão de segurança nacional... você vira inimigo do Estado. Essas mesmas pessoas envoltas nesse clima de alegria e bondade vão te virar a cara.
Até parece coisa de carnaval, que você tem que estar alegre com dia marcado e prazo de validade (acaba na quarta-feira de cinzas, no caso do carnaval, e após a virada do ano, no caso do natal). Mas já sabemos que há uma ligeira relação entre carnaval e natal, não é mesmo? Não há nada de estranho então.
Se fosse possível ir lá ao passado e perguntar ao velho Nicolau, na Grécia antiga, se ele percebia o que estava criando com sua atitude benevolente, não sei se este responderia que o seu desejo futuro seria o de enfeitar os shoppings centres e dar uma de pop star descendo de helicópteros em estádios de futebol, ou pior, ser locutor de ofertas nas portas das lojas nos apertados centros comerciais.
Admitimos que isso está posto. Pronto. E então, ao longo de nossas vidas, resignados, e justificando isso com o padrão da festividade natalina, entramos na fila do caixa (que, diga-se de passagem, nesse período é um sacrifício daqueles!), ávidos em atender ao modelo estabelecido.
O senso comum parece algo convidativo e se fortalece na medida em que alinha o pensamento no entorno de questões que se apresentam como pilares básicos para a satisfação das necessidades elementares dos seres humanos, dando-lhes segurança e tranqüilidade no decurso de suas vidas. Mas esse senso comum se aproxima demais da pequenez, retirando a paixão e a espontaneidade que dão tons diferentes ao contumaz tom monocromático que a vida insiste em imprimir.
Proponho que façamos o seguinte: que o natal seja em setembro. Sendo assim, seria uma festividade no meio do segundo semestre do ano, que notadamente possui festividades mais para o final. Defendo a idéia em função da atitude do velho Nicolau, de praticar o bem, de ser atencioso, de querer o bem coletivo, e isso não requer época ou data, não temos que esperar chegar dezembro para pensarmos em uma melhora comportamental, que logo se esvai na virada do ano... penso em algo mais duradouro.
Digo isso pensando no início da história do natal, que antes que um papa no século IV inventasse o 25 de dezembro, atribuindo-lhe importância, este dia era apenas mais um dia no mês que liquida o ano. Antes do citado fato ser plantado em nossas vidas estaríamos livres para fazer nosso “natal” quando bem entendêssemos.
Mas não receberemos nossos 13º salários em setembro. Então esqueçam a idéia.
Essas proposições são tratadas como afecções psíquicas, carreadas pelas paixões, reveladas como práticas infantis e que a maturidade relegará a um plano na memória bem distante e guardado sob a clausura da lucidez, onde perderemos por completo a autenticidade, deixamos de ser audaciosos e a temida inquietação do início da vida nos abandonará.
Tudo virará apenas um devaneio a ser esquecido, pois os verdadeiros valores, aqueles que irão garantir-lhes um futuro promissor, não são calcados em quimeras, e o sucesso não é medido em itens de felicidade explícita.
Sei que é inevitável fazer nexo relacional com nossa educação judaico-cristã. Muitos desses valores nos são transmitidos no intuito de nos resignarmos com nossa condição de vida, onde se configura prioritária a aceitação desse contexto para o conforto espiritual.
Apesar de entender que a busca do conforto espiritual está vinculada atualmente a simples aquisição de bens duráveis no plano terreno, do senso comum ou da moda atual (questão de escolha), esses valores sócio-econômicos tomam a dimensão de fatores determinantes para o sucesso, segurança e tranqüilidade, associados quase que diretamente a conceitos espirituais, justificando assim a ação.
Ser alguém de valor significa acordar para trabalhar e imprimir esforços para a compra do carro do ano, do apartamento com suíte e do pacote de viagem ao exterior (que inicialmente se aceita que seja uma ida rápida a Miami).
Isso se torna algo além de nossa compreensão e devemos cumpri-lo, pois não temos autonomia para decidir diferente, sendo uma tarefa que não exige questionamentos. O emprego deve ser “seguro” baseado em uma formação atraente para o mercado (mesmo que não seja baseada em conhecimento ou mérito), devendo ser objetivo maior que não se corram riscos, até mesmo o risco de ser feliz de verdade.
Um dia ouvi da boca de um colega que encontrara um pupilo seu em um aeroporto, de passagem por alguma cidade longe de casa, e com muita satisfação ouviu do ex-educando que o mesmo tornara-se diretor de uma multinacional e estava percebendo um salário muito bom. Fiquei inquieto com a reação explosiva do colega, satisfeito com o sucesso alheio e nitidamente associando-o, em parte, a sua orientação passada, que lhe perguntei: “qual seria sua reação se esse mesmo ex-aluno lhe informasse que era poeta?”
Baseado no modelo de sucesso imposto por nossa sociedade atual imagino que não seria uma reação muito entusiasmada.
Não questionar os caminhos, que a princípio, parecem perenes, com a aparente existência inabalável, me faz acreditar que somos domesticáveis, acima de nossa capacidade cognitiva. Somos impelidos a trilhar caminhos que denotem certezas, seguranças, mas isso tomando sempre como referencial o que foi estabelecido como padrão a ser seguido.
Mas na verdade muitas pessoas não tomam esse modelo como a “rosa dos ventos” de suas vidas, e são felizes, apesar de aos olhos alheios parecerem fracas e sem importância, já que não vestem o figurino dos de sucesso, e nem tampouco ambicionam o cobiçado posto naquela empresa ou instituição que lhe garantirá ganho financeiro mais cobiçado ainda pelos que lhe rodeiam. Esse tipo de sucesso pode ser atingido a qualquer custo, incluindo aí uma indicação torpe (o famoso QI), a utilização da boa fé das pessoas no crescente comércio da crença alheia ou desvios de verbas públicas nas mais variadas esferas.
Não ser parte do senso comum é tarefa árdua e exige determinação. As forças externas tendem a lhe compelir ao alinhamento e exigem obediência. Cabe aos entusiastas não obedecer exercendo uma desobediência teimosa e benéfica.
Por fim, incontestável mesmo é que, para todos na vida real, é melhor (de fato) ser Nicolau que ser Papai Noel, apesar do segundo, aos olhos dos resignados, fazer mais sucesso.
Festejemos o velho Nicolau, sem a invencionice conveniente da roupa vermelha.

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